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Eis que os novos ventos nos levaram a novos mares. Agora o “blog dos dois copinhos” tem um novo endereço e um novo layout. Mais bonito, mais ousado, mais gostoso de ler e compartilhar. Não viu ainda? Seja sensato, visita lá: www.obscenidadedigital.com

Ta todo mundo conferindo o novo Obscenidade Digital

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Até amanhecer, até morrer

 

O motoboy da pizzaria chegou e ficou olhando para as minhas pernas. Foi estranho, porque não costumo dar confiança para vagabundo, mas dele eu gostei. Ele também gostou do meu shortinho, então acho que tudo bem. Marido viajando, solidão, uma pizza média que comprei para jantar hoje e para sobrar para o café de amanhã. Sei lá. E ele foi tão fofo, com aquele papo de “desculpa a demora, mas juro que acabou de sair do forno”, enquanto apontava para a caixa de comida com a cabeça. “Imagina”, respondi, querendo mesmo que ele imaginasse o que quisesse. “É no cartão, né?”, disse ele, tirando a maquininha daquela caixa enorme que eles carregam na moto. “É sim. Pode ser crédito, né?”, “pode”, “tá. Pizza, vinho com esse frio…hmmmmm”. “Pois é. É bom, né?”. “Aham”. Ele parecia fingir desinteresse, mas tudo bem, porque, no fim, quem sou eu? Que fosse. “E você, trabalha até que horas?”, perguntei. “Até uma meia noite e meia…o cartão não passou. Vou tentar de novo. Desculpa”. “Imagina, desculpa eu…passa esse outro aqui, por favor. Dei o cartão errado”. Um ônibus passou na rua, cheio de gente, ou seja, completamente “repleto de homens vazios”, como diria o Vinícius de Moraes sobre os bares. “Arrisquei um “e vai fazer o que depois do trabalho?”, e ouvi um “Vou dormir, cuidar do meu filho. Minha mulher pediu pra eu levar fralda, que pra amanhã de manhã já não vai ter. Bebê é isso, né?”. “Ah, legal, tem que cuidar mesmo…”. “Ééé”. “Tá bom…brigada, tchau”.

 

Parece que todo mundo está sempre ocupado demais quando é para fazer algo que gere alguma emoção. Ninguém me acompanha. Parece até, pensando assim, que o tempo existe mesmo e que ele é sempre muito curto.

 

Marco Antonio Santos

 

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Ilha

por Jadson André, autor convidado

“Mais uma vez eles vão celebrar. Vão dançar a noite toda com suas roupas brancas e taças de champanhe”, diz o pescador para a garota ao lado. Na linha do horizonte há algumas luzes, apenas pontos opacos. Vêm das praias do sul, abarrotadas. Aquela ilha isolada, cortada do continente, é fronteira final do Atlântico. Alto-mar está ali na frente deles.

As nuvens se acumulam em volta da ilha quase deserta. Deságuam no oceano. Incrivelmente formam um círculo ao redor e somente ela não recebe a chuva. É açoitada com o vento que leva os mosquitos noturnos, leva também as cortinas de areia fina, quase virgem.

A ilha está obscurecida pelo manto da noite costeira. Raios iluminam as nuvens que ganham tons metálicos. Flashs que dão ar festivo à noite do casal ermitão. A garota não sabe o que é uma festa de réveillon, nunca deixou a ilha, embora acariciasse a ideia certas vezes. Assistia de longe os fogos quando criança, mas à medida que se aproximava da maioridade, abandonara esse costume de fim de ano. Na ausência de calendário, os dias não eram iguais, mas eram sempre os mesmos.

A casa de madeira fica depois do córrego cor de cobre. Sem luz elétrica, água se puxa pela bomba mecânica, alavancando-a freneticamente. Aparelho tão velho que o gosto de metal enferrujado é intruso na água. Ela não sabe a diferença, nunca provou outra se não aquela. Há dois anos a mãe morrera. Estava sentada na rede quando simplesmente parou de respirar. O pai desapareceu em alto-mar dias antes. Se lembrava da voz, do contorno dos ombros dele, embora não conseguisse formar o rosto em sua mente.

Depois das perdas, estava resignada a solidão. O pescador chegara há dois dias em um barco de fibra, movido por motor a diesel. Era o primeiro a aportar na praia deserta em anos. Contornar a ilha era inútil para os navios e os barcos pequenos não se arriscavam entrar naquela faixa de mar. A turbulência acontecia em volta, a espreita como um leão preso em coleira de aço. A ilha mantinha-se intacta.

De manhã o pescador suicida esticava as redes ao longo de dois quilômetros. Antes do crepúsculo as recolhia com peixes prateados. A garota o recebera apreensiva, mas agora já se aquecia com a presença humana. Ele a olhava sem pretensões. Na noite da virada a convidou para ir à praia. Olhavam as estrelas por uma abertura nas nuvens. O jogo dos raios continuava e a encenação da chuva, em círculos, também.

Ele descrevia como era a passagem do ano no continente. Ela olhava fixamente para a arrebentação. Pupilas acostumadas à escuridão tocavam conscientemente as espumas brancas e a areia rígida, refletida em cobalto. Sonhava todas as noites com o duende Kobold que morava em cavernas da Alemanha, das quais tinha ouvido falar. Atravessaria o oceano em diagonal e viria sufocá-la na cama. Acordou da distração para ouvir outra parte das descrições do pescador. Pensou em interrompê-lo e pedir que a levasse embora dali. Hesitou. Talvez amanhã, talvez o próximo pescador, no próximo ano. Haveria outras chances de deixar a ilha.

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A Índia que descobriu a América

Não estava claro se ela tinha mais medo da água ou das pessoas ao redor, mas era nítido o choque que aquele passeio lhe causava. Ia agarrada ao corrimão, segurando seus vários metros de sari púrpura enrolados ao corpo, mas nem por isso suficientes para lhe aquecer do vento frio que já corta até os pensamentos que não deveriam existir. Se o balançar do barco não fosse assustador o suficiente, ainda estava cercada de ocidentais com suas roupas masculinizadas ou vulgares, expelindo palavras que ela não entendia. Via-as embaçadas à sua frente, como se não entendesse o que diziam por estar sem seus óculos, mas tinha certeza que aquelas palavras tinham algo de obsceno. O ocidente é sempre obsceno.

André Petrini

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Sedução comum (só, sempre só)

por Rafael

a caixinha de madeira envernizada
guardada na segunda gaveta do
criado ao lado direito da cama
contém pilares pra realidade
silenciosamente frágil
e desesperada

dia
após
dia:

alguns comprimidos de Viagra
outros gramas de Cocaína.

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Storytelling Precoce

por Murilo

Eu tinha um amigo, o Felipe, que sofria desta doença rara chamada “Storytelling Precoce”. Desde pequeno, coitado. Certa vez ele foi obrigado a cumprir o velho clichê escolar chamado redação de minhas férias. Não lembro bem, mas foi algo como:

“Nas minhas férias eu fui para a praia, vi um homem ser queimado por águas-vivas e uma mulher tão gorda que não cabia na sombra do guarda-sol.”

A professora disse que aquilo não era uma redação, era só uma frase. Ela ainda não sabia que Felipe era assim, um cara tão sucinto. E esse problema persistiu com o tempo. Quando ele contava piada, por exemplo, era um desastre. Contava piada de português sem se dar ao trabalho de imitar o sotaque do portuga, contava piada do Joãozinho sem imitar a voz aguda do menino, e era comum entregar os finais logo no começo. Com o tempo, teve que se adaptar a sempre contar as mais curtas.

“Soy paraguayo y estoy aquí para matar-te.”
“Para quê?”
“Paraguayo.”

Felipe era engraçado. Ao seu modo, mas engraçado. Acredito que o mais curioso era o fato de sempre ter histórias incríveis, extraordinárias, mas não saber como contá-las. Quando perguntavam sobre suas diversas viagens, por exemplo:

“E aí, como foi sua viagem para a Romênia?”
“Foi massa. Fui preso.”
“Como é que é?”
“É. Tava transando com duas romenas em um local público. Daí me pegaram.”
“Caaara! Mas conta! Como foi isso?”
“Foi assim.”

E o que renderia horas de papo acabava se reduzindo a alguns efêmeros segundos de alegria.

Para se aproximar das garotas ele também tinha dificuldades. Os assuntos acabavam muito rápido. Sorte que um dia encontrou a mulher perfeita para seu caso. Não surda, mas que falava pra cacete, o que dá quase no mesmo. E ele encontrou também um pequeno talento: escrever microcontos.

“Naquela noite, ela reclamou até que o carpaccio estava cru.”

“Overdose de Prozac. E morreram felizes para sempre.”

“Deixei-te flores sem saber que enfeitariam o túmulo do nosso amor.”

Foram tantos. Não me surpreenderia se hoje ele lançasse um livro inteiro.

Felipe era um cara legal. Fui aprendendo a conviver com ele. Com o tempo, acho que ficamos até mais parecidos.

É, foi assim.

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Noites pretas

Como seria

um dia inteiro

de alegria?

 

Será que as flores

se abririam, em gratidão

por este sol que nunca morre?

 

Ou, mais lindo: as palavras ganhariam sentido?

Marco Antonio Santos

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A extinção de um homem

Senhor luiz, um lugar – chamou Carla, a recepcionista da noite. É uma moça bonita, como um cartão de visitas daquele restaurante tradicional, que hoje está mais lotado do que a prudência aconselharia, mas não mais do que os outros da cidade. luiz, um lugar, ela volta a chamar quase impaciente, e até mesmo na dúvida se a anotação estaria correta, ou seria mais um 7 meio apressado, que se passa pelo 1 solitário. Não é o caso. Os casais à espera soltam risinhos abafados, provavelmente imaginando um rapaz jovem sem companhia para aquele 12 de junho, e portanto menos merecedor que eles daquele jantar, e principalmente, daquela mesa que comportaria tão bem um casal de apaixonados.

No canto levanto da cadeira e sigo Carla até minha mesa, com a consciência de que a saudade é tão grande que já não me cabe inteira, e que as pessoas descobrem isso desde o primeiro segundo em que me veem, e agora me olham com dó, enternecidas pelas décadas que me separam de você e fazem com que eu seja só saudade. Vinte e cinco anos sem você, e as pessoas continuam a me ver assim. Sou saudade. Sou amor. Sou seu, meu bem.

Hoje seria nosso aniversário de namoro, ou pelo menos do dia em que te beijei e comecei a viver por inteiro, sem saber que a vida por inteiro seria interrompida na metade. Nós tínhamos tantos planos, tantos desejos, tantos anos, e hoje temos uma distância intransponível entre nossos sentidos. Brincando com a verdade, digo que se eu morrer repentinamente vai ser de saudade da sua voz, porque afinal, como se mata a saudade da voz de alguém? A nossa foto ainda se mantém na cabeceira da cama, mas por mais que eu fale com ela, com você, meu amor, a resposta nunca me soa aos ouvidos acariciando meu cabelo como você fazia e me enchia de vontade de viver, simplesmente pra ter você ao meu lado. Por muitos anos o medo de esquecer sua voz me assombrou de tal forma que passei a te ouvir em todos lugares, o que só fez com que os dias passassem mais lentos, atrasando o meu retorno ao seus braços, me colocando na lista de extinção junto com o mico-leão-dourado e outros animais mais fofinhos do que eu. Já não tenho mais certeza se sua voz era como minha mente reproduz, mas sei que logo vou poder te abraçar de novo, e então poderei ser feliz por inteiro mais uma vez, mas prometo que vou deixar tudo certinho por aqui, como você me fez prometer naquele dia.

Nossa menininha já vai casar, e levá-la até o altar é a última coisa que eu posso pedir ao nosso bom Deus antes de te encontrar. Isso, e que o Brasil seja campeão dessa Copa! Mas eu sei que você não gosta de futebol, e hoje a noite é só nossa. Até deixei de assistir ao jogo de estréia com o pessoal do banco porque vir aqui, neste mesmo restaurante para pedir o seu prato preferido, lembrar do gosto da sua boca depois de tomar vinho, de voltar te segurando até o carro fingindo estar mais bêbado que você para que você não se sentisse mal, tudo isso mantém você aqui ao meu lado. Não como uma alma penada que ainda não achou seu lugar, mas como uma lembrança viva que faz o vazio do meu coração ser um pouco menos oco, porque o corpo morre, mas o amor vive enquanto as memórias forem doces. E você sempre foi puro açúcar. Feliz Dia dos Namorados. Eu to chegando.

André Petrini

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Abelha hoje em dia

Em um arranjo de flores pousa uma abelha. Meia volta em direção ao lixo, há um belo copo de refrigerante.

Muitos carros buzzzzzzzinam.

 

Henrique Chefe.

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O Volúvel e o Volátil

Gabriel Protski

A vida segue em meio a grandes explosões. Uma espécie de Big Bang particular. A base de tudo que acreditamos foi construída na ruína de nossas antigas crenças. Herdamos valores do nosso meio. Herdamos tudo o que não queremos. E negamos. Nossa vontade de mudar é iminente, sintomática. E essa vontade, nosso combustível. Que, na pior das hipóteses, se não fizer com que nos movamos, nos fará explodir.

 

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no centro do palco

por Rafael.

o tempo não hesita
em nos tornar

coadjuvantes

de nossos
próprios

de
fei
tos.

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As loucas da tarja preta

por Nina Zambiassi

Eu amo as loucas da tarja preta
Estriquinadas e mal amadas
acelerando para desacelerar

Todas iguais
as loucas da tarja preta
não querem voltar pra casa
encontrar seus problemas
todos de mãos dadas

Como serão solitárias suas casas
suas mentes drogadas
criando maneiras de ser normais

Não me reparam
as loucas da tarja preta
o meu pensamento lento e aéreo
se dissolve à química moderna

Me limito a imaginar
tamanha excitação
das loucas da tarja preta
ao ouvir o médico dizer
que a dose vai ter que aumentar

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Ela

Ouço alguém me chamar.

Oi?!

Lembro que estou sozinho.

Minha mãe falava pra nunca responder.

Se estiver sozinho pode ser ELA.

ELA quem?!

Você sabe.

Nunca acreditei nessa babosei…BLAM!

 

Saul Machado

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Passo adiante

por Rafael

A vida muda, muda e minha força não se faz valer. Uma nova perspectiva e volto a ser o pequeno indefeso de anos atrás.

Dias, anos, em busca de ser, convicto de que chegaria a algum lugar, e agora obrigado a admitir que sempre estive a caminho de lugar algum. Pilotando uma transformação desnorteada, à deriva em um mar desconhecido.

Ainda que tenha gastado grande parte de minhas forças em negar, alegando uma convicção qualquer, tudo sempre escorreu com o tempo.

Escrevi uma vida inteira sem saber ao certo o porquê. Poucas vezes tive certeza de minhas linhas. Não sei ao certo por que me escondi tanto tempo atrás das letras. Talvez na esperança de que elas sobrevivessem à minha morte. Bobagem.

Nada é imortal, sequer as palavras escritas. Esse nosso-mundo-inteiro um dia será engolido pelo mesmo sol que nos aquece hoje. Todas nossas histórias e construções serão consumidas. Eu, você, nós. Tudo será nada. Sequer lembranças irão restar.

Certo disso, sigo com um coração envenenado pela indiferença. Já esquecido pelo mundo.

A vida segue como eu jamais houvesse existido: os carros continuam a rosnar uns para os outros, as pessoas continuam a se evitar, o sol continua a nascer e as estrelas a gritar, e apenas alguns a perceber.

Poucos têm tempo para ver a vida acontecer.

Talvez a vida tenha sido sempre isso: uma sucessão de eventos maravilhosos e desastrosos que engolem a gente a todo momento. Algumas vezes estamos mais sensíveis e nos deixamos contagiar.

Dificil-
mente
temos
tudo a
tempo.

O que tenho agora é uma visão noturna da minha janela. A mesma perspectiva dos últmos já-não-sei-quantos-anos. Muita coisa mudou, mas a madrugada continua a mesma.

O cheiro de tabaco sempre me visita. Jamais soube quem é o vizinho insone que fuma insistentemente em alguma outra janela de solidão.

Queria eu uma companhia agora. Pra tragar, beijar, apanhar. Uma interação que fosse. Algo ou alguém que reagisse às minhas pulsações. Meus gestos.

Em algum momento esqueci que a vida é a eterna transformação. E que quando nos esforçamos em negar isso, perpetuamos nosso sofrimento.

Sigo aqui, mergulhado em uma solidão que é mar para toda a tristeza que escorre pelos rios da alma, enquanto espero por algo que me convença a desprender do passado.

Afrouxar a corda que se ajusta em meu pescoço a cada certeza de que jamais conhecerei a verdade sobre o que não vivi.

Espero um retorno, uma chegada. Algo que devolva a força. Não uma qualquer, mas aquela que nos mantém em pé. De olhos no céu para perceber as estrelas gritarem, o sol se pôr e, com uma piscadela, deixar combinado que amanhã tem mais.

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Pela manhã

do mestre Bernardo Staut

Pela manhã, calafrios e arrepios
Passa o sereno, dia após dia
Não adivinho a origem dessa transição
Nada diferente, começa a liturgia

Vidas inteiras passam,
Até que eu compreenda o erro do movimento:
As correntezas distraem o sujeito,
Fruto de todo esse vento.

Água sempre para lá e para cá, doce ou seca
Mas nunca deixou de ser a mesma presença
Até que eu comece a respirar submerso
Nunca chegarei à essência .

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