por Murilo
Eu tinha um amigo, o Felipe, que sofria desta doença rara chamada “Storytelling Precoce”. Desde pequeno, coitado. Certa vez ele foi obrigado a cumprir o velho clichê escolar chamado redação de minhas férias. Não lembro bem, mas foi algo como:
“Nas minhas férias eu fui para a praia, vi um homem ser queimado por águas-vivas e uma mulher tão gorda que não cabia na sombra do guarda-sol.”
A professora disse que aquilo não era uma redação, era só uma frase. Ela ainda não sabia que Felipe era assim, um cara tão sucinto. E esse problema persistiu com o tempo. Quando ele contava piada, por exemplo, era um desastre. Contava piada de português sem se dar ao trabalho de imitar o sotaque do portuga, contava piada do Joãozinho sem imitar a voz aguda do menino, e era comum entregar os finais logo no começo. Com o tempo, teve que se adaptar a sempre contar as mais curtas.
“Soy paraguayo y estoy aquí para matar-te.”
“Para quê?”
“Paraguayo.”
Felipe era engraçado. Ao seu modo, mas engraçado. Acredito que o mais curioso era o fato de sempre ter histórias incríveis, extraordinárias, mas não saber como contá-las. Quando perguntavam sobre suas diversas viagens, por exemplo:
“E aí, como foi sua viagem para a Romênia?”
“Foi massa. Fui preso.”
“Como é que é?”
“É. Tava transando com duas romenas em um local público. Daí me pegaram.”
“Caaara! Mas conta! Como foi isso?”
“Foi assim.”
E o que renderia horas de papo acabava se reduzindo a alguns efêmeros segundos de alegria.
Para se aproximar das garotas ele também tinha dificuldades. Os assuntos acabavam muito rápido. Sorte que um dia encontrou a mulher perfeita para seu caso. Não surda, mas que falava pra cacete, o que dá quase no mesmo. E ele encontrou também um pequeno talento: escrever microcontos.
“Naquela noite, ela reclamou até que o carpaccio estava cru.”
“Overdose de Prozac. E morreram felizes para sempre.”
“Deixei-te flores sem saber que enfeitariam o túmulo do nosso amor.”
Foram tantos. Não me surpreenderia se hoje ele lançasse um livro inteiro.
Felipe era um cara legal. Fui aprendendo a conviver com ele. Com o tempo, acho que ficamos até mais parecidos.
…
É, foi assim.