O penúltimo continente perdido

Marco Antonio.

– Você tá morrendo, Fábio. O que a gente podia, a gente fez, mas não tem mais jeito nenhum de combater… esse… mal. Você sabe que a gente tentou, né? Se você começou a acreditar em Deus, acho que era uma boa rezar pra Ele. Sua família tá ali fora.

– Tá todo mundo aí?

– Eu não conheço toda a sua família, mas tem bastante gente. Seu irmão não para de chorar, e o seu pai tá resistindo, mas dá pra ver que ele tá bem triste. Quer que eu chame eles aqui?

– Se você puder, eu agradeço. Mas, se tiver vindo todo mundo mesmo, não vai caber aqui.

– Então não veio todo mundo.

– Imaginei. Acho que eu não mereço…tanto.

– Tem uma criança pequena ali também. Será que deixo entrar, ou você prefere que não?

– Deve ser meu sobrinho.

– Deixo entrar?

– Tanto faz, Carlo. Não tô em posição de preferir muita coisa, agora.

Os amigos compartilharam uma risada quase constrangida. Quase sem graça. Quase sem sentimento. Uma quase risada, sem nenhuma vida. Naquele momento, ambos perceberam que já haviam compartilhado de outras risadas, muito mais animadas e verdadeiras. No tempo em que se divertiam de verdade um com o outro. Nada disseram a esse respeito.

Inês, a enfermeira presente, olhou para Fábio com um pouco de pena. Nos últimos meses, os piores para o (agora) paciente, intensificaram a relação que construíram ao longo dos últimos doze anos. Fábio achou que a moça não ganharia nada olhando para ele daquele jeito triste. Mais que isso: aquele olhar não o ajudaria. Mas ela não tinha culpa, se cedia a um certo sentimentalismo em um momento assim. Uns dias intermináveis de trabalho, mais umas noites no plantão no pronto-socorro iriam, inevitavelmente, apagá-lo das memórias dela, como um efeito colateral de um acidente qualquer em que o destino tivesse se metido. De qualquer forma, este “hoje” ocorreu em um dois de setembro, e ela teria mais com o que se preocupar daqui a três ou quatro dias, quando estivesse em alguma fila para pagar as contas do mês, e isso geralmente consumia bastante da atenção de sua querida amiga, e bastava mais algum tempo, e era isso.

Que fosse.

O que realmente preocupava Fábio era o funeral, seu preço, e todo o mais que isso geralmente envolve. Ele não queria incomodar ninguém.

A família entrou. Fábio queria recitar seu epitáfio.



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